terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pedido ao Santo!

Pedido ao Santo!
Pedido feito, compromisso cumprido!
Por Zé Alípio Martins

Quando se gosta de um Santo não importa o tamanho da imagem que se tem em casa... Apesar de ter gente que faz de tudo para obter “um santo maior”, do que deveria possuir!
E, em sendo assim, e por isso mesmo! Foi a maior confusão na freguesia do Padre Miguel.
Dona Almerinda, primeira Dama, esposa do Seu Prefeito, depois de tanta oração, pedidos e graças alcançadas, solicitou ao marido que providenciasse uma imagem do padroeiro em tamanho natural. ”Grande como se fosse gente”.
Seu prefeito, o ilustre representante do povo, e também, rezador de noventa, trezena e até batizado de boneca, não hesitou ao pedido e encomendou ao Agenor Santeiro, renomado fazedor de Santo lá da capital, a maior imagem que pudesse confeccionar.

Pedido feito, compromisso cumprido!

E assim chegou o dia.
Comitiva pronta. Carro, da prefeitura, arrumado...
- Só vamos passar antes na casa de fogos ”Explosão”, pra comprar umas dúzias de foguetões importados e convidar Modesto pra açoitar os danados.
Combina o motorista Jovino.
Seu Modesto Fogueteiro, “Soltador de Rojões” sempre foi presença marcante nas alvoradas festivas, campanhas políticas e campeonatos de futebol.
- É bom levar um colchão pro Santo vim deitado. Sugestionou D. Almerinda.
- É mesmo. Concordou Seu Prefeito.
Caminhonete arrumada. Viagem iniciada... Mais algumas horas... E, estavam na cidade.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Não deu tempo pra muita coisa! Foi só pra passar no Banco, pra tirar a dinheirama do homem, bater uma pinga pra limpar a garganta da poeira... E, correr pra ”Casa do fazedor de Santo”.
- Rapaz, não é que o senhor é bom mesmo. Tá linda! Ficou ótima.
Elogio de prefeito é pedra certa a ser cantada. Logo tem mais.
- Cuidado ai, minha gente!
Cheios de dedos, enrolaram o santo todo! Jornal velho, espuma de colchão e um punhado de algodão por baixo da cabeça.
- Tá pronto! Embalado pra presente. Afirma Jovino.
- Jovino, você vai lá em cima. Passe o olho no Santo. Ordena o prefeito.

- A viagem , de volta, vai ser mais longa. Salienta Modesto.
- Santo Antonio livrai-nos da buraqueira da estrada, costela de vaca, mata- burro e das galhas caídas.Faz oração o prefeito.
- Amém!Em coro, os dois respondem.
Na boca da noite avistaram a cidade... As luzes da gambiarra da Praça da Matriz anunciavam o tempo de festa.
Depois da curva do entroncamento deram uma parada.
- Desce ai Modesto, e solta meia dúzia de pra anunciar a chegada!
Modesto desceu, acendeu um “bode” e sentou a madeira

Chaaabú.
Esse não deu nem sinal de vida.
- Tenta outro. Ordena.
Rááááá´ti bum – tra tá tá bum.
Esse sim! Deu pra ouvir até na China, onde foi fabricado.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Satisfeito com o foguetório continuou viagem... Vez em quando, não se contentava em confiar a atenção de Jovino ao Santo. Torcia o pescoço seguidamente dizendo.
- Tá tudo bem ai?
- Sim Seu Prefeito. O Santo tá bem!

Na entrada da cidade, foguetório novamente.
A comunidade apreensiva aguardava com “cadeiras na calçada”.

- O Santo do prefeito acabou de chegar!Todos diziam.

A igreja badalava pra o início da trezena... Vigário pronto estreava a sua batina nova. Presente do prefeito, pras comemorações desse ano.
Foguetório comendo no centro...

Trarará ti buum. Trata bum, bum pá.

Flecha caindo e separando as velhas telhas das humildes moradias daquele povo.

- Quando passar as festas vai ver! Vai ser umas goteiras danada. Assuntava Dona Clotilde, esposa do candidato derrotado.
- Isso é dinheiro do povo, minha gente! Fazendo o gosto da mulher dele. Contestava o vereador de oposição.
- Acende outro, Modesto. Que lá vem o padre.

Cigarro na “peinha”, quase queimando as pontas dos dedos e já foi...
Chuuuá... Ti bum. Tra, tá taã tá.

- Vamos descer o Santo. Anuncia o Prefeito.

Puxa daqui, desenrola dali...

- Rapaz, os homens gastaram quase um rolo de cordão!
- “Cuidado que o Santo é de barro”.
- Jurava que fosse de bronze! Admirava-se Dona Ziza, beata antiga.
- É...! Mas, mandei caprichar.
- É quase do tamanho da gente. Faz sinal de afirmação com a cabeça
.
O vigário com ar de surpresa se aproxima.
Vaso de “água benta” na mão... Incensador na outra...
Então o Santo é erguido e ali mesmo no meio da rua, Dona Almerinda conclama.

- Chega gente. Vamos rezar que o vigário vai benzer o Santo..

- Êpa! Não posso não.
- Não pode o quê, Seu vigário?
- A senhora me desculpe, mas não posso benzer essa imagem.
- Mas tá linda!
- Eu sei... Mas nessas condições, não posso!
- Seu padre... Já mandei construir um altar, bem no meio da sala, na largura e altura certa... Tenta convencer o prefeito.
- Seu prefeito, não é por isso não...
- Mas será o Benedito!
- É que esse Santo é grande demais. Tenta justificar o padre.
- O que é que tem isso?
- O “Santo Maior” tem que ser o da paróquia, pois é o protetor de toda a comunidade.
- Oxente! De onde já se viu isso?
- São normas do Clero.
- Quem é esse sujeito?
- É o Bispo.
- Então, pode começar. Pois da última vez que ele esteve aqui, saiu de bucho cheio.
-Não posso. Além do mais... Faz tempo que eu peço ao senhor a reforma da paróquia e nada.
- Sim, mas não é horas pra isso! Ajeite as coisas que amanhã a gente conversa.
- Não!Não posso descumprir as leis da igreja.
- É que eu nunca ouvi falar nisso...
- Só benzo a imagem se o senhor prometer ao Santo de joelhos.
-Na Hora. Diz o Prefeito e se ajoelha.

Pedido feito, compromisso cumprido!

Muita gente desconfiava que esse Santo fosse mesmo pra pagar pedido feito pela Primeira Dama pra o casório da filha acontecer...

- Uma moçinha, daquelas, sem graça, desengonçada, desprovida de qualquer belezura e que a muito estava encalhada... Logo se casou com aquele rapazote bonito e namorador...
–E que não quer nada!
- Só anda de moto pra cima e pra baixo.

Interrompe o prefeito.

- Se é então por isso, assumo o compromisso diante do povo e do meu Santo Antonio querido e, se o senhor consentir, começo as obras amanhã mesmo. Nem que tenha de vender uns dez burregos, vinte garrotes e duas dúzias de galinhas!
- É verdade! Dona Almerinda já havia feito de tudo!
-Ouvi dizer, que certa vez ela pegou o pobre do Santo, retirou-lhe o Jesus menino e prometeu somente devolve-lo no altar do casamento da filha.
- Ah! E o povo fala que a viu colocar uma imagem toda amarrada de fitas dentro do rio.
- Me disseram que a filha, botava o bichinho de cabeça pra baixo debaixo da cama e só andava de sapato com o nome do besta preso na sola!
- É... Mas, a promessa mesmo é essa ai! Mandar trocar, pra não dizer comprar, um Santo desse tamanho, benzer e prender arriba do altar da sala grande
- E ela tem que cumprir antes que passe o santo dia.

Continuavam nas remoetas, as beatas.

- Fique tranqüilo Seu Padre. Tá combinado? Pode começar.
Dona Almerinda não pestanejou e logo puxou a reza.

“Glorioso Santo Antonio
Orai pro nobis.
Glorioso Santo Antonio
Atendei aos nossos apelos...

Meu glorioso Santo Antonio de Pádua
Por minha graça agradeço...
Kyrie Eleison
Kyrie Eleison


Continuou...
Pelo coroado que cingiste
Pelo hábito que vestiste
Orai pro nobis
Pecata mundi

Pelos milagres que ainda tendes que fazer
Que não durmais, não sossegue, nem paraste, nem repousastes em qualquer canto.
Por minha graça alcançada te dou pouso e morada no meu humilde lar...

O Padre se deu por convencido... E, tome água benta pra dentro.
Sacristão sacode o incenso... E é água e fumaça pra todo lado.

- Seu prefeito! Olhe seu compromisso diante do Santo. Suplica o vigário.
-Não se preocupe! Amanhã mesmo toco a obra. E assim que ficar pronta mando fazer um Santo que cabe até o senhor dentro.
- O senhor sabe como é esse povo... Daqui a pouco vão apelidar o padroeiro de Toinho!
- Fique tranqüilo.

Pedido feito, compromisso cumprido.

E não é que foi verdade!
Reformas começadas... Continuadas... E... Concluídas.
Tudo nos conforme cujo combinado.
Igreja ampliada e um Santo Antonio enorme.
Nas caladas dos acertos do prefeito com o padre...

- É só o senhor entrar, ficar quietinho e ouvir os pedidos do povo.Anota e traz pra mim... E a gente dar um jeito.

A fama de milagreiro foi logo se espalhando pela redondeza!

- Dona Antônia pediu meio milheiro de bloco. Seu Antenor, um, saco de cimento. Dona Zefa pediu um emprego (na prefeitura) pro filho desempregado. tem um par de esporas pro Zeca Vaqueiro. Carro pipa pras molhagens. Bicicletas, óculos de grau, sapato de salto, botas, cama,vestido de noiva,noivo,noiva remédio pra gripe,reumatismo e até fralda pra menino.Passagem pra são Paulo, vacina de bezerro, coleira pra cachorro, tela pra galinheiro,enxada e facão de marca jacaré, boné, camiseta de time, sacola, bolsa e até “dentadura pra os veios boca murcha”.

Só não atendia aos pedidos impossíveis como os do velho Libório.
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- Mas home! Ele tá querendo o que?
- Virilidade eterna.
Pedido feito, compromisso cumprido.


E foi um sucesso a estratégia do prefeito.
Cidade cheia o ano inteiro, comercio movimentado, gente chegando, comprando, comendo, rezando e fazendo os pedidos.
Na medida do possível realizando o prefeito ia deixando as coisas nas portas.
Para o padre a freguesia ia aumentando, igreja enfeitada, de flores cheirando

- E o povo?
- Fazendo os pedidos.

Porém como toda “cidade que se preza”, tem sempre um bebo chato...

Certo dia, quando o padre havia acabado de chegar, deu de cara com Zé Litro...
Bafo azedo como caroço de carnaúba, mal trapilho, pés inchados, olho grosso...

- Seu padre. Resmungou em suspiro.
Quero ver se esse Santo é bom mesmo! Quero fazer meu pedido.

O vigário nem lhe deu atenção e saiu.
Zé litro chegou bem perto à imagem, tirou um resto de chapéu que lhe cobria o juízo, ajoelhou-se e quase dormindo resmungou alguma coisa, bocejou, levantou- se e saiu.
No dia seguinte... Do mesmo jeito... Bocejou e saiu.
O padre que até então não havia demonstrado interesse em saber o desejava o bebum do Zé , começou a ficar curioso.

- Amanhã chegarei mais cedo e brucutu dentro da imagem pra ver o que ele deseja.

Dia seguinte... A mesma coisa... Olho fundo, pés inchados...
De repente, bem baixinho a meia boca, fez um pedido meio rimado.

“Seu Sant’ Tonho
Quero que o senhor me favoreça.
Amanhã termina o prazo
Coce os bolsos
Se não lhe quebro a cabeça”
.
O vigário que bem conhecia a fama do Zé quando enchia a cara, buscou logo esconder a imagem por trás da cortina da sacristia e pôs em seu lugar a velha e pequena imagem pois...” Se quebrar não faz diferença”.
Como imaginado... Bem cedinho...
Zé Litro! Lavado e carregando na mão uma marreta.
Pedido feito, compromisso cumprido.

Furioso foi se aproximando do lugar onde ficava o Santo...
Torceu o nariz, esfregou os olhos fazendo careta e com seu hálito impregnado da maldita,foi logo bem alto dizendo.

- Ô Toinho! Vá lá dentro chamar seu pai pra trazer meus quinhentos contos. Se não vou arrebentar tudo.

Assustado, o padre surgiu de repente dizendo.

- Meu filho, o que é isso? Aqui é a casa do senhor!
- Calma “Seu Pade”, só vim ter um acerto com o Santo!

O padre pensando em livrar-se do problema... Puxou da batina dez contos e lhe ofertou.

- Tudo bem! Disse o bêbado.
- Amanhã... Diga a ele... Pego o restante bem cedo.



Maceió, 13/jun/2010



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